Levado pela fama de excelente educandário e ademais pela falta de unidades de ensino equivalente no interior do Estado ou mesmo na região, no Pio XI estudavam alunos dos mais diversificados recantos.
Aqueles jovens nem sempre eram educados, pacatos ou disciplinados. Por vezes, em face a decantada austeridade do diretor, o então Padre Emídio Viana, o colégio fora visto por alguns pais, como uma espécie de escola de correção, onde fosse possível ajustar seus jovens filhos, que praticavam atos desabonadores, como fossem embriaguês, furtos, agressões, violências e outros. Tais condutas ocorriam ali e o diretor, com sua fisionomia austera e disciplinadora, antepunha-se aos procedimentos condenáveis daquelas espécies de aluno
Padre Emídio |
O Padre era corpulento, de estatura mediana, avermelhado e sisudo, atributos bastante para intimidar o estudante a quem tratava por “CABOCO” (corruptela de “caboclo”). Pouco ou quase nunca ficava muito tempo no seu gabinete. Costumava caminhar lentamente no alpendre anexo às salas de aula e, de braço estendido sobre o peito e a mão dentro da batina, mantinha a outra mão no bolso. Dali ele não somente via os alunos como escutava os professores.
A presença dele nos corredores impunha silêncio e respeito, mesmo em se tratando de alunos bagunceiros, a exemplo daqueles de uma família com sobrenome de uma espécie de animal e da qual em uma só classe estudavam três irmãos.
Na hora da chamada, na aula de dona Jacinta, uma fina e competente professora não muito jovem, não estando o padre por perto, aqueles alunos respondiam autodenominando-se Camelinho, Camelo e Camelão. Um pernambucano, baixinho e gordo, cujo nome o tempo apagou da memória deste autor, ao ouvir a chamada, confirmava a presença respondendo: “em classe, o inconfundível Barrica”. A gozação era geral e isto levava o diretor a se posicionar de imediato diante da porta da classe, do que resultava um silencio sepulcral.
Na turma da qual fazia parte este autor, havia alunos das famílias Carneiro, Coelho, Camelo, Leão, Raposo e outros. Barrica, ao confirmar a presença, acrescentava à sua resposta: “o encarregado da ração para o zoológico da classe”, sob as gargalhadas de todos. Ele e os colegas da família Camelo foram tidos como indisciplinados, nocivos, e transferidos compulsoriamente do Colégio.
Um aluno sertanejo, forte, rosado, tido como brabo e habituado a pegar boi, certo dia escreveu bem visível na túnica da farda e à altura do peito as iniciais “ T. T. T. T.”. O diretor, que dado ao comportamento do aluno não o via com bons olhos, indagou que novidade era aquela. A resposta veio de imediato: “ ‘Topo tudo todo tempo’, Padre”. Ante a resposta, o diretor corou mais que o normal, arregaçou as mangas da batina e fez o desafio: “ então 'caboco', vamos disputar no boxe, sem luvas, quem é o diretor deste Colégio”. “’Vá para a diretoria para uma outra conversa”. A valentia acabou-se e o valentão mudou de Colégio.
Era comum no Colégio alunos de famílias orientais. Um deles, tido como brabo, entendeu numa prova final oral ser examinado antes dos demais colegas. Por este fato, se atritou com a banca examinadora presidida por uma bonita e jovem professora que, chorando, saiu da classe e foi até o diretor a quem narrou o ocorrido. Este se deslocou imediatamente e, embora advertido de que o aluno era violento e quase sempre estava armado chegou até ele e sem maiores delongas, deixou o apressado aluno para ser o último dos alunos a serem examinados.
No Colégio, de quando em quando, havia o surgimento de alunos que atemorizavam professores, apesar da rígida disciplina mantida pelo diretor. Certo dia, na sala de aula, um aluno integrante de uma família tida como valente sacou de uma arma e ameaçou atirar no professor. Coincidentemente o Padre vinha passando na sua caminhada costumeira ao lado da classe.
Ao perceber o fato, entra na sala com o passo na dimensão maior que a batina permitia e se dirige para o aluno que, apontando a arma para ele, disse: “Não venha, padre, que eu atiro!”. Este respondeu, já com a mão sustentando por cima do tambor do revólver 38, solavancando-o, tomando-o do aluno e dizendo concomitantemente: “você atira com esta merda em ninguém”. A confusão foi geral e o valente transferido do Colégio, sem que fosse denunciado pelo crime..
Ali estudara nos anos de 1940 um moço de família tida como violenta. Seu maior prazer era contar os feitos de seus parentes no mundo do crime. O diretor via aquilo com certo espanto, mas não se intimidava para punir o jovem aluno, que não era dos mais bem comportados. No auge da adolescência, ele dizia que enquanto os colegas X , Y, Z iriam ser isto, aquilo ou aquilo outro, ele iria ser PISTOLEIRO. De fato, enveredou por este caminho e nele praticou inúmeros crimes na Paraíba e noutros estados, pelos quais jamais foi condenado, embora levado a júri diversas vezes.
Era um tipo bonito, alto, forte e amigo deste autor, pois que com ele estudara na mesma classe no Pio XI e, quando se encontravam, surgia uma boa prosa, por mais das vezes incômoda, oportunidade em que o pistoleiro oferecia seus TRABALHOS. Em um daqueles contactos, ele relembrara os tempos do PIO XI e dissera que também oferecera recentemente, seus SERVIÇOS ao velho diretor. Aquele ex -colega, pistoleiro por escolha, foi assassinado no Rio Grande do Norte, quando numa rede, no alpendre de uma fazenda, planejava mais um crime de morte.
Outros tantos curiosos fatos, foram vividos pelo autor durante os longos 15 anos em que no PIO XI fora aluno/professor, tendo o padre Emídio como diretor de comprovada coragem. Todavia, malgrado toda aquela intrepidez , foi traiçoeiramente apanhado pela morte, que ceifou sua vida com pouco mais de cinqüenta anos.
Era por isso que o Colégio Alfrêdo Dantas, onde estudei, era tão calmo! Bravios, brutos e rudes estudavam no Pio XI...kkk
Nossa que relato! Impressionante.
No final de 1952 eu estudei no Colégio Diocesano PIO XI e no início de 1953 prestei o velho e tradicional Exame de Admissão ao Ginásio. Todavia, com a inauguração do Colégio Estadual de Campina Grande, o famoso CECG, para lá me transferí no início do ano letivo de 1953. Conhecí de perto a bravura do Padre Emídio Viana Correia assim como a rigidez da Secretária Teresa.
Tive a honra de viver esse período do Pe. Emídio Viana e Teresa!! Saudades... “Velhos Tempos, Belos Dias!!! Guardarei eternamente nas minhas lembranças!! Foram anos dourados!!
A descrição do padre Emílio feita pelo autor é perfeita;estudei no colégio nos anos de 1955 e 1956 e tenho vivo na memória tudo que ele falou.