Serviço de Utilidade Pública - Lei Municipal nº 5096/2011 de 24 de Novembro de 2011
Criado por Adriano Araújo e Emmanuel Sousa
retalhoscg@hotmail.com

QUAL ASSUNTO VOCÊ ESTÁ PROCURANDO?


Em fins de 1874 irrompia, na serra do Bodopitá, povoação de Fagundes, a quatro léguas de Campina Grande, o movimento sedicioso denominado de “quebra-quilos”.
Grupos de cem a duzentos homens, cujo “cabeça” se desconhecia. Camponeses rústicos, armados de clavinote, foice e facão tomaram de assalto algumas localidades
O Governo Provincial mostrara-se impotente, solicitando as forças imperiais para sufocar o movimento.
Amplamente divulgado na imprensa, inclusive pela agência americana, os fatos na Parahyba foram sobrestados no governo.
A versão que ora apresentamos foi publicada na imprensa pernambucana. Trata-se de uma missiva dirigida a “uma pessoa importante da Capital”. Transcrevemos tal qual fora escrita em sua época:

“Mamanguape, 20 de novembro de 1874.
Pela barcaça – Espadarte do Norte – mestre Abílio, escrevi-lhe sobre o estado d’esta nossa província; agora faço-o novamente pelo conhecido Pinheiro, e acenso a recepção de sua carta de 18, e dos jornaes que acompanharam-na.
Já terá recebido o Despertador de 25, e terá bem apreciado os ajuntamentos illícitus que se tem organisado de Campina Grande para baixo, e os que os vermelos officiaes – chamam sedição e até rebelião! Aqui os chamamos quebra killos, pois o seu fim é contra as medidas do systema métrico, e o que lhes é relativo, como archivos de camaras, e contra os novos impostos decretados na ultima sessão d’assembléa  provincial, - conquanto haja alguma exageração ou inexecução acerca de alguns pretendidos impostos. Exemplo: dizem que a mulher casada que amarar o cabelo pagará 8$; e a solteira, sendo honesta 5$! Taes  impostos e outros não existem. Entretanto há alguns que são pesados e extraordinários: por cada troca de Cavallo 2$; 30 rs. por litro de qualquer bebida espirituosa, além de pagarem os alambiques, e as casas onde se vendem ditas bebidas - ; o gado morto para o açougue pagará 3$ sendo boi, e 4$ sendo vacca, além do imposto annual de 500 rs. por sangria; e também pagarão os cavallos creados nos terrenos d’agricultura! Outros impostos ainda existem, que não foram publicados, pois a  lei não foi ainda publicada integralmente. A nova lei do recrutamentos, tem também influído para taes ajuntamentos.
Não pude ainda saber qual o cabeça de taes ajuntamentos, e somente se me diz que há um povo sem direcção, o qu sorprehende-me! Verdade é que assaltaram Fagundes, Campina Grande, Serra Redonda, Ingá, Alagoa-Grande, Cuité em Guarabira, Araruna, Salgado e Bananeiras - ; esperava-se que hontem fosse assaltada Independencia e Pirpirituba. Asseguram-me, não garanto porém, que foi assaltada também a cidade d’Areia. Aqui espera-se o assalto a cada dia da próxima semana, devendo os assaltantes seguir para a capital.
Sendo as primeiras desordens em Fagundes e Campina, aonde quebraram e feriram gravemente ao delegado e alguns soldados de polícia, mando o Silvino o commandante da policia, Aranha Chacon com 50 praças a o Ingá; este porem d’alli fugio corrido vergonhosamente, sem entrar em acção; e para justificar a sua fuga – disse ao Silvino que no Ingá havia uma colunna de cerca de 3:000 pessoas insurgentes! O Silvino então tomou posição; e lá mandou, pedir força e bem assim para o Rio. – (Diga-me o que houve por ahi).
Tudo correu à matroca o e Silvino é hoje o heróe de uma comedia. Na capital, a excepção do mundo official ninguém importa-se com a resolução!
Correu aqui que n’estes dias entrariam na capital; entrarão ainda só com o pequeno reforço d’ahi vindo? Duvido não obstante as notícias ad terrorum.
Aqui projectou-se (o Juvenal e os seus) uma resistência que foi abandonada; e agora pede-se força da capital para repellir os invasores!
O Cu-uripe está detido na capital de ordem do Sr. Silvino que as primeiras notícias exageradas do Aranha – exclamava constantemente - : meus amigos não me abandonem!
Sendo as collectorias um dos pontos objectivos dos quebra-killos, os collectores andam em fuga com os respectivos archivos na cabeça.
Aonde elles tem entrado, quebram os pesos e medidas do systema métrico, queimam os archivos das collectorias, e das camaras municipaes, como aconteceu em Bananeiras e Alago-Grande. Os escrivães são procurados; porém em Bananeiras, consta-me, que o velho capitão José Lopes expoz-lhe a feialdade do seu procedimento se queimassem o seu cartório, e nada houve. Não houve resistência, tudo correra em paz, e o juiz municipal e de direito escondera-se e o delegado estava ausente!
Idem per idem pelas outras localidades invadidas.
Nas Areias as autoridades ou fugiram ou esconderam-se, e em Independencia a debandada foi igual e vergonhosa. Por aqui muito pânico official; a população está indifferente, e até animada para assistir o que houve.
E o Silvino continuará na administração? É mais um ridículo a que se expõe a província. Não deixe de na Província deffender-nos dos destemperos de Silvino. O partido liberal reprova aquelles ajuntamentos, como verá no Despertador 25.
Nada mais há ocorrido”.

Vamos a algumas anotações acerca da missiva.
O Silvino a que se refere a carta, é nada menos que o Sr. Silvino Elvídio Carneiro da Cunha (1813/1892), primeiro e único Barão do Abiahy, que governou esta província ao tempo da sedição.
É citado dois jornais (A Província e o Despertador), observe que a correspondência era transportada de barco de um canto a outro.
Consta ainda que o delegado João Peixoto de Vasconcellos e mais três soldados saíram feridos, sendo agredidos pelos revoltosos com pedradas.
Várias causas foram apontadas para o levante: aumento do imposto do chão da feira (um tostão por carga), adoção do sistema métrico decimal, alistamento militar e fanatismo religioso, sendo este último o mais provável segundo Horácio de Almeida.
Os nomes de Irineu Jóffily e do Padre Calixto foram envolvidos nos fatos que sucederam à revolta do quebra-quilos. Mas no final, nada restou provado.
O vigário Calixto permaneceu na direção da paróquia de Campina até a sua morte.

Rau Ferreira


Referência:
- A PROVÍNCIA, Jornal. Ano III, Nº 457. Edição de quarta-feira, 02 de dezembro. Recife/PE: 1874.
- FILHO, Lino Gomes da Silva. Síntese histórica de Campina Grande, 1670-1963. Ed. Grafset: 2005.
- JOFFILY, Geraldo Irinêo. O Quebra(-)Quilo. Volume I da Série Cadernos de História do Brasil. Ed. Thesaurus: 1977

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