Por Mario Carneiro da Costa - Fev/ 2012
Vivi minha adolescência em Campina Grande – PB, centro dos mais desenvolvidos do interior do Nordeste naquele tempo. Ali cheguei, em 1947, garoto para estudar no Colégio Diocesano Pio XI, conceituadíssimo estabelecimento de ensino na região. No convívio com os colegas de classe, pouco a pouco as amizades foram surgindo e estreitando-se, tornando-se cada vez mais sólidas ao passar dos tempos.
Vivi minha adolescência em Campina Grande – PB, centro dos mais desenvolvidos do interior do Nordeste naquele tempo. Ali cheguei, em 1947, garoto para estudar no Colégio Diocesano Pio XI, conceituadíssimo estabelecimento de ensino na região. No convívio com os colegas de classe, pouco a pouco as amizades foram surgindo e estreitando-se, tornando-se cada vez mais sólidas ao passar dos tempos.
A convivência anos seguidos no educandário com colegas outros, não obrigatoriamente da mesma turma, possibilitava um relacionamento quase fraterno. Inúmeras foram as amizades nascidas naquela época que perduraram através dos tempos e chegaram aos dias atuais, sendo impraticável declinar todos aqueles nomes, uma vez que o Colégio Diocesano Pio XI foi um verdadeiro celeiro de pessoas que alcançaram renomado destaque no cenário estadual, nacional e até internacional !
Para que o leitor não fique totalmente alheio a tal afirmação, citarei Ivandro Cunha Lima, ex–senador, deputado federal e pessoa de larga representação em nosso meio; Juarez Farias, que entre outros tantos cargos importantes, foi presidente da Sudene e assumiu o governo do Estado da Paraíba; José Soares Nuto, ex- presidente do Banco do Nordeste; José Moisés de Medeiros, renomado médico na cidade; Bóris de Farias Silva, ex-diretor presidente da Nestlé na Suíça; Demócrito Reinaldo Ramos, ex-Ministro-chefe do Ministério da Justiça; Ronaldo da Cunha Lima, ex-governador do Estado, ex-deputado federal e ex-senador; Gleriston Holanda de Lucena, detentor de chefia de inúmeros cargos públicos.
Ronaldo Cunha Lima e Ivandro Cunha Lima no Carnaval Campinense
(Ex-alunos do Pio XI – Fonte: Jornal da Paraíba)
(Ex-alunos do Pio XI – Fonte: Jornal da Paraíba)
Entre outros tantos nomes, citaremos também Raimundo Adolfo, conceituado profissional em engenharia civil com passagem marcante em diversos cargos públicos, Francisco de Assis Nóbrega, santaluziense que ocupou elevados cargos no Banco do Nordeste e Arnaud Macedo de Oliveira, de Parelhas no Rio Grande do Norte, onde foi político de grande prestigio, elegendo-se prefeito por diversas vezes.
Naquele tempo Campina Grande sofria com a reduzida disponibilidade de abastecimento d’água e precário fornecimento de energia elétrica. Daí haver racionamento para o atendimento em ambos os serviços de modo que, a distribuição era feita por malha urbana, em média três vezes por semana, do que resultava precariedade no desenvolvimento dos mais variados setores.
Um deles era referente às atividades escolares. Integrante daquele universo de estudantes, este autor e aqueles três colegas de turma, Raimundo, Francisco de Assis e Arnaud , chegaram ao término do curso ginasial em 1951, época na qual já se grupavam e, de quando em quando, estudavam juntos certas matérias. Agora fazendo o Curso Científico, (atual Ensino Médio), o grupo esquematizou um plano que lhe permitisse estudar durante a noite nos dias em que houvesse luz na casa de Raimundo.
Tudo acertado, este preparou numa garagem para caminhão localizada nos fundos da casa dele, ocupada esporadicamente, o devido local e em uma das paredes construiu um quadro negro no estilo da época. Ali, os quatro jovens vararam noites e madrugadas, na busca de ampliar conhecimentos indispensáveis para investidas futuras.
Tanto Campina Grande como a capital do Estado não possuía qualquer curso superior. Fazia-se necessário o estudante seguir para Recife-PE, centro dos mais evoluídos e que possuía escolas das mais diversas áreas. Era mister um preparo que permitisse aprovação no vestibular desejado. E com aquele pensamento o grupo deu início ao estudo naquele local.
Foram inúmeras as horas ali consumidas com tal objetivo. A atividade começava por volta das 20 horas, não tendo hora para terminar. E assim varávamos noites e madrugadas. No entorno da meia-noite, havia uma pausa, quando era feito um lanche, durante o qual se comentava a respeito de certos assuntos.
Curiosamente, jamais se falou em futebol ou política. De quando em quando falava-se sobre alma, assombração ou coisa semelhante. Eram, apenas, assuntos que quebravam o cansaço das horas já decorridas.
Certa vez, já feito o lanche de costume, e um pouco mais de meia- noite, o assunto abordado foi assombração. Cada um fez um rápido comentário envolvendo alma. Francisco de Assis, na intimidade Chico, era um rapaz de parcos recursos e morava no bairro da Conceição, em local de casas simples, nas proximidades do Convento de São Francisco. Narigudo, ele era entre nós tratado por “Chico Pinóquio”.
A conversa naquela madrugada foi além do tempo habitual. Lá para as tantas, Chico desafiou os fantasmas. “Não tenho medo de nenhum deles. Podem me aparecer quantos queiram”. Raimundo duvidou das palavras do colega que as reiterou dizendo que fazia aquele desafio em pleno cemitério. Posta em dúvida a sua coragem ele convidou os três para ouvi-lo “campo santo”, que ficava a uns mil e quinhentos metros do local onde estudávamos e a mais de dois mil da casa de Chico. E, naquela madrugada fria e escura, saímos os quatro, em rua sem calçamento, para o cemitério do Monte Santo, único existente na cidade naquela época.
Um robusto portão de ferros redondos separava a área dos mortos daquela dos vivos e era provido apenas de um ferrolho. Pinóquio abre o portão, adentra no cemitério uns 20 metros e, com toda a força dos pulmões faz a sua confirmação: “Almas penadas, me escutem: estou aqui para provar que não tenho medo de vocês. Apareçam-me com muito dinheiro . Lisa, eu não quero conversa com uma só”... E caminhou de volta rumo a nós três que testemunhamos o pedido.
Já nos afastando do local, calados e espantados com a coragem dele, eu disse a Chico que aquelas palavras haviam sido “da boca para fora”. Incontinenti, ele se vira para o cemitério, caminha rápido até o portão, põe as mãos em dois dos varões e sacolejou o conjunto dizendo: “Não pensem que eu estou brincando, almas penadas. Lisa, não quero encontrar uma só de vocês. Com dinheiro, venham todas.”
A coragem de Chico impressionou a nós outros. No local de estudo, não houve mais ambiente para se aprender qualquer coisa naquela noite. Resolvemos parar por ali. Arnaud, que morava distante, ficou na garagem, acomodado em uma preguiçosa. Eu desci a Rua Antenor Navarro e a uns 150 metros cheguei à casa onde morava. Chico seguiu para a rua 15 de novembro, na Palmeira, donde rumava para a sua residência na Conceição.
Ele caminhava com os ouvidos aguçados, percebendo o mais leve dos barulhos. Foi aí que escutou uma música das que se cantavam em velórios naquela época: “Aaavééééééé – aavéééééééé´.... Aaavéééééé Maaariiiiii-ia... Aaaavéééééééé´- aaavééééé... Aaavéé Marii-ia”.
Ao ouvir tal canto, Chico parou, aguçou mais ainda a audição, eriçou os pelos do corpo e recuou, dando outro rumo a direção que escolhera, observando que a voz aos poucos desaparecia. Saiu pela Antenor Navarro até a Rua João Pessoa, na altura da “Garagem Grande” (atual Praça Félix Araújo), onde dobrou para a esquerda e foi até o Banco Magalhães Franco (esquina da Marques do Herval com o Beco do 31).
Ali seguiu pelo Beco do 31, até a Maciel Pinheiro. Depois, pelo Beco dos Bêbados, chegou a Rua dos Paus Grandes (atual João Alves de Oliveira), passou no Forró de Mulata e no Ponto Cem Réis, no firme propósito de alcançar à sua morada pelos fundos.
Para o seu espanto, a melodia macabra ressurgiu: Aaavééééééé – aavéééééééé´.... Aaavéééééé Maaariiiiii-ia... Aaaavéééééééé´- aaavééééé... Aaavéé´´Mariiia” ... Chico tomou-se de medo e se lembrou do desafio que fizera as almas penadas horas antes. A melodia, agora, lhe chegava aos ouvidos de forma bem audível. Completamente apavorado, ficou atônito. Desta vez, por mais que se afastasse, a cantoria não deixava de ser ouvida.
Já passava das quatro da madrugada. No convento de São Francisco, naquele tempo, celebravam-se missas a partir das cinco horas e, muito antes, fiéis para lá já se dirigiam. Surgiu uma daquelas pessoas e que se encontra com Chico. Este, sem saber se era alma ou gente de carne e osso, toma uma dose de coragem e indaga se ela vai para a missa.
A resposta positiva deu ao medroso coragem para acompanhar a pessoa, que logo observou: “Vou chamar o Irmão Antonio e dizer que Frei Joaquim, um frade caduco e fujão, saiu das dependências do convento e está cantarolando nas ruas adjacentes vestindo só um camisolão branco”.
Pinóquio respirou aliviado, refazendo as forças. No dia seguinte, relatou-nos o fato, adiantando que naquela madrugada acabara com todo e qualquer negócio que programara com as almas, com quem de modo algum desejava encontrá-las .
Belo post!
Os rapazes fotografados ao lado do ônibus, em 1951, são, respectivamente, Mário Carneiro e Francisco de Assis Nóbrega
Eita professor Mario, já sei a quem o senhor puxou na arte de se narrar história hehehehe. Bom demais!!!
Muito bom, vale a pena recordar...
Quem aparece na foto(com uma faixa na cabeça)com a mão no ombro de Ronaldo Cunha Lima, é o saudoso jornalista Ronaldo Dinoá.Também conhecido como Ronaldo Bela(uma alusão ao ator Bela Lugosi que interpretou Drácula no cinema na década de 1930.)