Serviço de Utilidade Pública - Lei Municipal nº 5096/2011 de 24 de Novembro de 2011
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QUAL ASSUNTO VOCÊ ESTÁ PROCURANDO?

Por Mario Carneiro da Costa  -  Fev/ 2012
    
Vivi minha adolescência em Campina Grande – PB, centro dos  mais desenvolvidos do  interior do Nordeste naquele tempo.  Ali cheguei, em 1947, garoto para estudar no Colégio Diocesano Pio XI, conceituadíssimo estabelecimento de ensino  na região. No convívio  com os colegas de classe,  pouco a pouco  as   amizades foram surgindo e estreitando-se, tornando-se  cada vez mais sólidas  ao passar dos tempos.

Excursão do Colégio Pio XI em 1951 (Mário Carneiro e Francisco de Assis Nóbrega)

A convivência anos seguidos no educandário com colegas outros, não  obrigatoriamente da  mesma  turma,  possibilitava  um relacionamento  quase  fraterno. Inúmeras foram as amizades nascidas naquela época que perduraram através dos tempos e chegaram aos dias atuais, sendo impraticável declinar todos  aqueles nomes, uma vez que o Colégio Diocesano Pio XI foi um verdadeiro celeiro de pessoas que alcançaram renomado destaque no cenário estadual, nacional e até internacional !

Para que o leitor não fique totalmente alheio a tal afirmação, citarei Ivandro Cunha Lima, ex–senador, deputado federal e pessoa  de  larga representação  em nosso meio; Juarez Farias, que entre outros tantos cargos importantes, foi presidente da Sudene e assumiu o governo do Estado da Paraíba; José Soares Nuto, ex- presidente do Banco do Nordeste; José Moisés de Medeiros, renomado médico na cidade; Bóris de Farias Silva, ex-diretor presidente da  Nestlé na Suíça; Demócrito Reinaldo Ramos, ex-Ministro-chefe do Ministério da Justiça; Ronaldo da Cunha Lima, ex-governador do Estado, ex-deputado federal e ex-senador; Gleriston Holanda de Lucena,  detentor de chefia de inúmeros cargos públicos.

Ronaldo Cunha Lima e Ivandro Cunha Lima no Carnaval Campinense
(Ex-alunos do Pio XI – Fonte: Jornal da Paraíba)

Entre outros tantos nomes, citaremos também Raimundo Adolfo, conceituado profissional em engenharia civil com passagem marcante em diversos cargos públicos, Francisco de Assis Nóbrega, santaluziense que ocupou  elevados cargos no Banco do Nordeste e Arnaud Macedo de Oliveira,  de Parelhas no Rio Grande do Norte, onde foi político de grande prestigio, elegendo-se prefeito por  diversas vezes.

Naquele tempo Campina Grande sofria com a reduzida disponibilidade  de abastecimento d’água e precário fornecimento de energia elétrica. Daí haver racionamento para o atendimento em ambos os serviços de modo que, a distribuição era feita por malha urbana, em média três vezes por semana, do que resultava precariedade no desenvolvimento dos mais variados setores.

Um  deles  era  referente   às   atividades   escolares. Integrante  daquele  universo  de   estudantes,  este  autor  e  aqueles  três  colegas de turma,  Raimundo, Francisco  de  Assis  e  Arnaud , chegaram ao término do curso ginasial em 1951, época  na qual já se grupavam e, de quando  em  quando, estudavam juntos certas matérias. Agora fazendo o Curso Científico, (atual Ensino Médio), o grupo esquematizou um plano que lhe permitisse estudar durante a noite nos dias em que houvesse luz na casa de Raimundo.

Tudo acertado, este preparou numa garagem para caminhão localizada nos fundos da casa dele, ocupada esporadicamente,  o devido local  e em uma das paredes construiu um quadro negro no estilo da época. Ali, os quatro jovens vararam noites e madrugadas, na busca de ampliar conhecimentos  indispensáveis para investidas futuras. 

Tanto Campina Grande como a capital do Estado  não possuía  qualquer curso superior. Fazia-se necessário o estudante  seguir  para Recife-PE,  centro  dos mais  evoluídos e  que possuía  escolas das  mais  diversas  áreas.  Era mister um preparo que permitisse aprovação no vestibular desejado. E   com aquele pensamento o grupo deu início  ao  estudo  naquele  local.

Foram inúmeras as horas ali consumidas com tal objetivo. A atividade começava  por volta  das 20  horas, não tendo hora para terminar. E assim  varávamos  noites  e   madrugadas. No entorno da meia-noite,  havia  uma  pausa, quando era feito um lanche, durante o  qual se comentava a  respeito de certos assuntos. 
Curiosamente, jamais se falou em futebol ou política. De quando em quando falava-se sobre alma, assombração ou coisa  semelhante.  Eram,  apenas, assuntos que quebravam o cansaço das horas já decorridas.

Certa vez, já feito o lanche de costume, e um pouco mais de meia- noite, o assunto abordado foi assombração. Cada um fez um rápido comentário envolvendo alma.  Francisco de Assis, na  intimidade Chico, era  um rapaz de parcos recursos e morava no bairro da Conceição, em local de casas simples, nas proximidades do Convento de São Francisco. Narigudo, ele era entre nós tratado por “Chico  Pinóquio”. 

O Tradicional Convento de São Francisco
(Foto encontrada na Comunidade de Campina Grande no Orkut)

A conversa naquela madrugada foi além do tempo habitual. Lá para as tantas, Chico desafiou os fantasmas. “Não tenho medo de nenhum deles. Podem me aparecer quantos queiram”. Raimundo duvidou das palavras do colega que as reiterou dizendo que fazia aquele desafio em pleno cemitério.  Posta em dúvida a sua coragem ele convidou os três para ouvi-lo “campo santo”, que ficava a uns mil e quinhentos metros do local  onde estudávamos e a mais de dois mil da casa de Chico. E,  naquela  madrugada  fria e escura, saímos  os  quatro, em rua sem calçamento, para o cemitério do Monte Santo, único existente na cidade naquela época.

Cemitério do Monte Santo
(Google Images)

Um robusto portão de ferros redondos separava a área dos mortos  daquela dos vivos e era provido apenas de um ferrolho. Pinóquio abre o  portão, adentra no cemitério uns 20  metros e, com toda a força dos pulmões  faz a sua confirmação: “Almas penadas, me escutem: estou aqui  para  provar  que não  tenho  medo  de vocês. Apareçam-me  com  muito  dinheiro . Lisa, eu não quero conversa com uma só”... E caminhou de volta rumo a nós  três que testemunhamos o pedido. 

Já  nos afastando do local, calados e espantados com a coragem dele, eu disse a Chico que aquelas palavras haviam sido “da boca para fora”. Incontinenti,  ele se vira para o cemitério, caminha  rápido até o portão, põe as mãos em dois dos varões e  sacolejou  o conjunto dizendo: “Não pensem que eu estou brincando, almas penadas. Lisa, não quero encontrar uma só de vocês. Com dinheiro, venham todas.”

A coragem de Chico impressionou a nós outros. No local de estudo, não houve mais ambiente para se aprender qualquer coisa naquela noite.  Resolvemos parar por ali. Arnaud, que morava distante, ficou na garagem, acomodado em uma preguiçosa. Eu  desci a Rua Antenor  Navarro e a uns 150  metros cheguei à casa onde morava. Chico seguiu  para a rua 15 de novembro, na  Palmeira, donde rumava para a sua  residência na  Conceição.   

Ele  caminhava com os ouvidos aguçados, percebendo o mais  leve  dos  barulhos. Foi aí que escutou uma música das que se cantavam em velórios naquela época:  “Aaavééééééé – aavéééééééé´....  Aaavéééééé Maaariiiiii-ia... Aaaavéééééééé´- aaavééééé...  Aaavéé Marii-ia”.
  
Ao ouvir tal canto, Chico parou, aguçou mais ainda a audição, eriçou os pelos do corpo e recuou, dando outro rumo a direção que escolhera,    observando que a voz aos poucos desaparecia. Saiu pela Antenor  Navarro até a Rua João Pessoa, na altura da “Garagem Grande” (atual Praça Félix Araújo), onde dobrou para a esquerda e foi até o Banco Magalhães Franco (esquina da Marques do Herval com o Beco do 31).  
Ali  seguiu  pelo  Beco do  31,  até a Maciel Pinheiro.  Depois,  pelo Beco dos  Bêbados, chegou a  Rua dos Paus Grandes (atual João Alves de Oliveira), passou no Forró  de Mulata  e no Ponto Cem Réis, no  firme  propósito de  alcançar  à  sua morada  pelos  fundos.

Rua João Alves de Oliveira (Antiga Rua dos Paus Grandes)

Para o seu espanto, a melodia macabra ressurgiu:  Aaavééééééé – aavéééééééé´....  Aaavéééééé Maaariiiiii-ia... Aaaavéééééééé´- aaavééééé...  Aaavéé´´Mariiia” ...  Chico tomou-se de medo e se lembrou do desafio que fizera as almas penadas horas antes. A melodia, agora, lhe chegava  aos ouvidos de  forma bem audível.  Completamente  apavorado,  ficou  atônito. Desta vez, por mais que se afastasse, a cantoria não  deixava de ser ouvida.

Já passava das quatro da madrugada. No convento de São Francisco, naquele tempo, celebravam-se missas a partir das cinco horas e, muito  antes,  fiéis para lá já se dirigiam. Surgiu  uma  daquelas  pessoas e que se encontra  com Chico. Este, sem saber se era alma ou gente de carne  e osso, toma uma   dose de coragem  e indaga  se ela vai para a missa.  

A resposta positiva deu ao medroso coragem para acompanhar a pessoa, que logo observou: “Vou chamar o Irmão Antonio e dizer que  Frei   Joaquim,  um frade  caduco e  fujão, saiu das dependências  do convento e está  cantarolando nas ruas adjacentes vestindo só um camisolão branco”.     

Pinóquio respirou aliviado, refazendo as forças. No dia seguinte, relatou-nos o fato, adiantando que naquela madrugada  acabara  com todo  e  qualquer negócio que programara com as almas, com  quem de modo  algum   desejava encontrá-las .

5 comentários

  1. Vinícius de Albuquerque on 17 de fevereiro de 2012 às 09:49

    Belo post!

     
  2. Mario Vinicius on 17 de fevereiro de 2012 às 13:51

    Os rapazes fotografados ao lado do ônibus, em 1951, são, respectivamente, Mário Carneiro e Francisco de Assis Nóbrega

     
  3. Adriano on 17 de fevereiro de 2012 às 15:26

    Eita professor Mario, já sei a quem o senhor puxou na arte de se narrar história hehehehe. Bom demais!!!

     
  4. Fátima Brito on 17 de fevereiro de 2012 às 15:29

    Muito bom, vale a pena recordar...

     
  5. Anônimo on 23 de fevereiro de 2012 às 21:01

    Quem aparece na foto(com uma faixa na cabeça)com a mão no ombro de Ronaldo Cunha Lima, é o saudoso jornalista Ronaldo Dinoá.Também conhecido como Ronaldo Bela(uma alusão ao ator Bela Lugosi que interpretou Drácula no cinema na década de 1930.)

     


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