Serviço de Utilidade Pública - Lei Municipal nº 5096/2011 de 24 de Novembro de 2011
Criado por Adriano Araújo e Emmanuel Sousa
retalhoscg@hotmail.com

QUAL ASSUNTO VOCÊ ESTÁ PROCURANDO?

Por Mário Carneiro da Costa *

Composta por 32 alunos, logo no início do ano letivo de 1951 as festividades de colação de grau do curso ginasial e uma excursão foram aventadas pela turma. Ficou decidido, então, que se faria um passeio à Cachoeira de Paulo Afonso, ainda sem mudanças em face aos serviços de construção da hidrelétrica.
Chaveiro Comemorativo do Pio XI
(Arquivo Pertencente a
Mario Vinicius Carneiro Medeiros)

Foi  escolhido e eleito por votação como paraninfo da turma o professor William Ramos Tejo, recém-casado, e a ele ficaria  a responsabilidade de orientar a turma para as providência futuras. Como todos tinham interesse pelo passeio, ficara acertada, também, uma contribuição mensal de todos os participantes, bem como a venda de bilhetes de uma rifa de uma máquina fotográfica. Como os bilhetes da rifa haviam se esgotado, surgiu a idéia de se rifar uma bicicleta. Tais verbas cobririam as despesas da excursão a Paulo Afonso, um quadro de formatura e um baile em alto estilo no Campinense Clube.

Durante o ano, a esposa do professor Tejo engravidara e haviam surgido complicações na gestação. O mestre mostrava-se preocupado com a situação mas permanecia à frente do objetivo dos alunos. Entretanto, aproximava-se o final do mês de novembro, período supostamente esperado para o nascimento do filho do professor. A excursão teria início no dia 28 daquele mês, a data já se achava bem próxima e nada do nascimento da criança acontecer.
A imaturidade da turma, a ânsia pelo passeio e o medo do fracasso dele não ocorrer acabou por levá-la a pressionar o mestre quanto a viajar mesmo sem o nascimento do filho. Isto acabou por desagradar ao professor Tejo, que renunciou a condição de paraninfo, proibiu sua fotografia no quadro de formatura e se julgou suspeito para examinar a turma no exame final.
 Ocorreu, então, nova escolha de paraninfo, que recaiu sobre a figura do professor João Viana Correa. A quantia arrecadada, até então sob a guarda do paraninfo renunciante foi entregue ao novo homenageado. Assim, no dia 28 de novembro daquele ano, por volta do meio-dia, em um ônibus adaptado de um caminhão da marca International pertencente e cedido a preço simbólico pelo Sr. Hermínio Soares, pai do concluinte Hélio Soares, teve início a tão sonhada excursão.

O ônibus da viagem (Arquivo de Mario Vinicius Carneiro Medeiros)

 Numa algazarra generalizada, a turma partiu com destino à Sertânia, no Estado de Pernambuco, onde chegou por volta das 18 horas. Alojados em uma só pensão, após o jantar saíram para galanteios e namoricos, para o que não faltaram estudantes da cidade, pois logo correra na cidade a notícia da chegada daqueles jovens.
Nas primeiras horas da manhã do dia seguinte, partiu-se com destino a Cachoeira de Paulo Afonso. Andava-se para o lugarejo denominado de Cruzeiro do Nordeste, onde era iniciada uma travessia que causava medo a todos os viajantes da época. Era a lendária reta de Ibimirim, numa extensão de quase 100 Km sem que nada ali fosse encontrado. No início daquele trajeto contactou com a turma uma pessoa idosa, humilde, de feições fechadas, que se dizia ex-cangaceiro de Lampião e no bando tivera o nome de Baraúna.

Reta de Ibimirim em foto recente
Apreensivos com uma possível pane no ônibus na “reta do Mirim”, a quase totalidade da turma conduzia uma ancoreta com seis litros de água potável, isto ainda por orientação do professor Tejo. No final da reta estava a cidade de Petrolândia, ainda no Estado de Pernambuco, onde a turma almoçou e dali partiu para Forquilha, hoje cidade de Paulo Afonso, na Bahia. Ainda naquela tarde foi feita a visita à cachoeira por um dos lados. O pernoite ocorreu em Forquilha, desprovida de qualquer atração e a única distração fora ouvir música em uma difusora que repetira o bolero “Dez anos”, na voz de Emilinha Borba, algumas dezenas de vezes.

No dia seguinte, visitou-se o outro lado da cachoeira. Nesta oportunidade, os jovens Antônio Maia,  José Augusto (Zezito) Ribeiro e José Soares Nuto deram um espetáculo aos demais, tomando banho completamente pelados e posando para fotos com visão explícita das genitálias.  Estas fotos foram, posteriormente, destruídas pela Sra. Pautila Maia, genitora de Antônio. E em razão delas,” Zé Nuto” ganhou o apelido de “Zé Pau”.
Imagem da Cachoeira, podendo se visualizar Mário Carneiro da Costa (Arquivo Mario Vinicius Carneiro Medeiros)

Imagem rara da Cachoeira (Arquivo Mario Vinicius Carneiro Medeiros)
Conhecido este lado da cachoeira onde se vislumbrou a queda do “Véu da Noiva”, partiu-se para Feira de Santana, também na Bahia, onde se chegou às primeiras horas da noite. Tomando o hotel, alguns jovens gruparam-se e foram conhecer a vida noturna da cidade, o que preocupou o professor João Viana.  Na manhã seguinte, após o café, uma rápida passagem pelas ruas próximas ao hotel, quando foram abordadas e fotografadas jovens estudantes que caminhavam para um colégio ali perto. E no meio da manhã viajou-se para Salvador, chegando-se ao anoitecer.
Apesar das recomendações do mestre João Viana, que contava com a ajuda de um inspetor de disciplina, o conhecido Djalma “Manga Rosa”, a turma decidiu conhecer a vida noturna da capital baiana. Uma parte rumou para certos ambientes um tanto ou quanto impróprio para jovens naquela faixa etária. Outra parte, da qual este autor participou, escolheu um ambiente tipo boate, onde tudo era macabro.
O ambiente impressionava em tudo. Todos os adornos eram feitos com ossos humanos e as decorações outras, com peças trazidas de cemitérios. Crânios de tamanhos diversos serviam de quebra-luz. Costelas, úmeros, tíbias, fêmures e outros ossos longos serviam de implementos para objetos ali utilizados. O acesso à dependência do bar era dado através de um ataúde na vertical, sem fundo, o que somente se percebia ao abri-lo.
   
Sobre a área reservada para o “dancing”, um esqueleto completo na horizontal voltado para baixo, de braços e pernas abertas. A iluminação era de penumbra e todas as bebidas e comidas tinham nomes coerentes com aquele ambiente. Outras decorações eram feitas com grinaldas funerárias, lousas com epitáfios, lanternas, velas, etc. Tudo era tétrico e pintado de preto e, quando necessário para um maior para um maior realce, contornado com uma estreita faixa branca. Daquele local o grupo voltou para o hotel um pouco antes da meia-noite.
Na manhã seguinte, iniciou-se o passeio pela cidade, conhecendo-se os pontos turísticos: Elevador Lacerda, a cidade baixa e o seu mercado, Mirante, Igrejas famosas, praças históricas, o Museu Estadual e a Faculdade de Medicina, onde se teve a oportunidade de ser visto o histórico conjunto de cabeças do grupo de Lampião.
Fazia parte do programa uma visita a praia de Itapoã, onde o grupo almoçaria. Porém, chegando-se ali se presenciou ser retirado do mar um cadáver e, para a surpresa de todos, era de Luiz Gonzaga, um aluno também do Colégio Pio XI, do turno da noite, que como nós outros, excursionava  pela capital da Bahia.
O fato modificou por completo a programação estabelecida para o passeio. Contatos com o Instituto de Medicina Legal e entendimentos com o governador do Estado foram providências tomadas pelo professor João Viana para a liberação e transporte do cadáver, via aérea, para Campina Grande. Um clima de tristeza passou a ser vivido pelo grupo, que viajou na manhã do dia seguinte com destino ao Estado de Sergipe.       
Caminho para Aracaju - caminhão virado - ao centro Manga Rosa e João Viana
(Arquivo Mario Vinicius Carneiro Medeiros)
Embora o morto não fosse da turma e não houvesse qualquer ligação entre o nosso e o grupo dele, o fato arrefeceu os integrantes da excursão. A viagem para Sergipe decorria sem maiores novidades e animação. Cessaram as piadas, as cantorias, as anedotas e as gozações, particularmente com os colegas Félix Paulo da Silva e Ivan Imperiano de Cristo. Naquele ambiente de pouca euforia chegou-se a capital sergipana. Foram programadas algumas visitas a pontos turísticos, saborear um suculento prato de sururu e partir para Alagoas  no dia seguinte.
A tristeza foi aos poucos desaparecendo e logo estava a turma novamente às margens do Rio São Francisco.
 Às margens do  Rio São Francisco (Arquivo Mario Vinicius Carneiro Medeiros) **

O ônibus foi colocado numa balsa para ser feita a travessia do rio naquele local. Os alunos também acompanhariam o veículo todavia, por questão de segurança, todos fora dele.
Travessia do Rio  São Francisco, observem o ônibus na balsa (Arquivo de Mario Vinicius Carneiro Medeiros)
Finalmente na “terra dos Marechais”, visitou-se a praça dos filhos de Rosa da Fonseca (mãe do Marechal Deodoro), onde estão marcos para todos eles. Viu-se o mar quase adentrando na cidade, farol, museu estadual, aeroporto e, durante a noite, os mais afoitos estiveram em locais impróprios para a idade deles. O jantar foi num restaurante na praia, quando se consumiu um saboroso peixe ao molho de camarão.  Na madrugada do dia seguinte, ocorreu a partida para Caruaru em Pernambuco, e de lá para Campina Grande, na Paraíba.
A família do excursionista Félix Paulo da Silva, era fortemente gago, havia se mudado da zona rural de Areia (PB) para uma região semelhante em Alagoas. Félix, passando informações aos colegas sobre a qualidade das novas terras  de seu genitor em Alagoas, teceu elogios a fertilidade do solo.

Não esperava ele, porém, que Hélio Soares falasse que Félix lhe havia contado que as terras adquiridas pelo seu genitor  ali eram tão boas e férteis que “o pai estava PLANTANDO MACARRÃO e a safra  ia ser a maior do mundo”. Félix não gostou da graça. Temperamental ao extremo, de rosto rubro, dedo em riste, olhos arregalados, abria a boca para discutir com Hélio mas uma só palavra não saía, o que provocava risos nos colegas e mais raiva ainda em Félix, que por pouco não se engalfinhou com Hélio, que passou a chamá-lo de “Pimpa Macarrão”.
Chegou-se a Caruaru ao anoitecer, onde ocorreu o jantar e, logo após, partiu-se para Campina Grande, onde se chegou um pouco além da meia-noite.

A excursão durou doze dias. Dois dias depois da chegada, realizou-se a primeira prova final, quando alguns daqueles concluintes (Antônio Maia, José do Ó e outros) foram reprovados ou ficaram para a segunda época.
Dizia o Padre Emídio Viana, diretor do Pio XI durante muitos anos: “Sem denegrir as demais turmas que passaram pelo Colégio, a de 1951 foi a expressão de maior  todas elas”.            

A turma fora composta pelos alunos que se tornaram os profissionais a seguir, alguns com os respectivos apelidos:
1.    Aldecir Carvalho – Empresário – “Bonitão”
2.    Adir Guimarães -   Engenheiro Civil – “Frei Bodinho”
3.    Ademar Martins -   Jornalista -  “Coró”
4.    Antônio Abelardo -  Árbitro de Futebol – “2º Rei da Bossa”
5.    Antônio Cavalcante -  Odontólogo – “Toinho Doido”
6.    Antônio Maia -   Administrador de Empresas – “Vela Branca”
7.    Arnaud Macedo – Advogado – “Boinho”
8.    Bóris Farias – Executivo da Nestlé na  Suíça – “Cega Sofia”
9.    Carlos Hermano – Médico – “Dr. Argemiro”
10.    Celso Ramos – Médico
11.    Demócrito Ramos Reinaldo – Advogado, Ministro do STJ
12.    Everaldo Agra – Comerciante  – “Boca da Noite”
13.    Félix Paulo - Agricultor  - “Pimpa Macarrão”
14.    Francisco de Assis Nóbrega – Economista – “Pinóquio”
15.    Gleriston Lucena – Engenheiro Civil – “Doutor”
16.    Gil Suassuna - Comerciante
17.    Hamilton Cavalcante – Médico – “Engole Seco”
18.    Hermano Virgolino – Engenheiro Civil – “Picolino”
19.    Hélio Soares – Promotor de Justiça –“Rei da Bossa”
20.    Ivan Imperiano – Professor – “Pão Duro”
21.    Joel Medeiros – Administrador
22.    José Augusto Ribeiro - Advogado
23.    José do Ó – Agropecuarista
24.    José Soares Nuto – Administrador – “Zé Pau”
25.    Lamir Motta – Advogado, Empresário
26.    Mário Carneiro -  Engenheiro Civil – “Pé-de-quenga”
27.    Odimar Agra – Advogado – “Advogado Besta”
28.    Raimundo Adolfo – Engenheiro Civil – “Marfim”
29.    Roberto Domingos Chabo – Médico – “Comunista”
30.    Sinésio Telino - Comerciante
31.    Umberto Câmara – Militar
32.    Valdy Gama – Militar, funcionário do Banco do Brasil

Em 2001, ocorreu um encontro comemorando os 50 anos daquela turma:
2001 - Da esquerda para a direita Lamir Mota, Joel Medeiros, ex-prof. Raimundo Gadelha, José Nuto
(Arquivo de Mario Vinicius de Caneiro Medeiros)
Ex-alunos, da direita para a esquerda Aldecir, Mário, Lamir, Gleriston, Francisco e Raimundo Adolfo
(Arquivo de Mario Vinicius Carneiro Medeiros)

 * Ex-aluno do Colégio Pio XI
** No verso desta foto, encontrou-se a seguinte identificação abaixo (cliquem para ampliar):
Nota do "RHCG": Agradecemos ao professor Mario Vinicius Carneiro Medeiros pelo envio dos preciosos arquivos e ao seu pai Mario Carneiro da Costa pelo registro da bela história.
                  

9 comentários

  1. Agenor on 11 de setembro de 2011 às 13:14

    Que História legal.

     
  2. Clotilde Tavares on 12 de setembro de 2011 às 08:59

    Ah, as memórias!... São tudo na vida.

     
  3. Anônimo on 8 de dezembro de 2012 às 09:49

    Eu gosto dessas Histórias!

     
  4. Anônimo on 8 de dezembro de 2012 às 10:16

    Hélio Soares faleceu esse ano, infelizmente.

    http://globoesporte.globo.com/pb/noticia/2012/03/ex-presidente-do-conselho-do-treze-morre-em-campina-grande.html

     
  5. Soahd on 11 de dezembro de 2012 às 07:11

    Isto é o que chamamos de "memória perfeita" de um tempo de ouro para a vida de cada um...e a viagem , que viagem para aquela época, vanguarda mesmo...e que lindo registro historico para o nosso velho Chico, o véu de Noiva em Paulo Afonso-BA, o bom é a proximidade dos alunos em lugares de grande risco, naquela época o acesso com certeza não tinha limites....estes jovens terminaram sendo renovados de ideias, ao termino de uma viagem como esta...e assim deveria ocorrer com outras turmas.Parabéns pelo lindo texto.

     
  6. Anônimo on 12 de dezembro de 2012 às 06:16

    Qual é Lamir Motta? Olhando nas duas fotos não é o mesmo...E como ninguem nas fotos se parece a Lamir quando era moço, queria saber...
    Lamir era um bonitão!

     
  7. Walmir Chaves on 23 de dezembro de 2012 às 11:22

    Parece mentira que ainda haja estradas como essa reta impresionante sem asfaltar! Existe?

     
  8. Elcio Junior on 27 de outubro de 2015 às 16:23

    Onibus da Empresa Autoviária Rainha da Borborema de propriedade de Pedro Sabino de Farias.

     
  9. Wellington Farias on 19 de abril de 2019 às 16:16

    Há uma semana entrevistei o meu primo Roberto Luna, cantor da velha Guarda nascido e Serraria e que fez muito sucesso nos anos 50 e 60. Morou em Campina Grande de onde traz enormes recordações. Foi no mesmo dia em que participamos de uma homenagem a ele nua tarde inteira de prorama da TV Record de São Paulo. E ele me disse que foi aluno do Colégio PIO XI mais ou menos nesta época. Enconrei esta pagina procurando Pedro Imperiano, que foi um dos seus amigos e vizinhos.. Luna disse na entrevista que estou trascrevendo para sair no PB Agora: "Meus amigos eram Paulo Imperiano de Cristo, Iolanda Imperiano, e Pedro Imperiano, Mumuta e Ivan, que era da família de Manequinho." Será que tem alguem vivo dessa turma?

     


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