Apesar de o texto acima relatar que o ano da foto do "Ipiranga Esporte Clube" é 1923, professor Mário Vinicius Carneiro, estudioso de nosso futebol, nos lembrou muito bem, que o Ipiranga só foi fundado no ano de 1926 e portanto, tal registro possivelmente seja de 1933.
Na imagem histórica, podemos visualizar a imagem de "Lula Pintor". Professor Mário em sua pesquisa sobre nosso futebol, chegou a entrevistá-lo, material este que foi cedido ao nosso blog. Abaixo, reproduziremos na íntegra, a entrevista:
ENTREVISTA COM LULA EX-GOLEIRO DO IPIRANGA FUTEBOL CLUBE ENTRE 1931 A 1938
ENTREVISTA COM LULA EX-GOLEIRO DO IPIRANGA FUTEBOL CLUBE ENTRE 1931 A 1938
Na década de 30, quando o futebol campinense ainda era feito de maneira amadorística, este cidadão, prestes a completar 93 anos, era uma verdadeira muralha no gol do Ipiranga Futebol Clube. Infelizmente, devido à uma grave doença, perdeu totalmente a visão, há 12 anos. Entretanto, dotado de uma memória excepcional e com grande presença de humor, lembra com detalhes da época quando chegou a Campina Grande, os primeiros tempos do Treze e do próprio Ipiranga. Luís Agostinho, o LULA, é o último atleta ainda vivo do time do Ipiranga, que conquistaria em 1933, de forma invicta, o Campeonato da Cidade.
Qual o seu nome e onde o nasceu ?
LULA: Meu nome é Luís Agostinho, mas sempre fui chamado de Lula. Nasci em 06 de setembro de 1907, no sítio Laranjeira, próximo do sítio Jorge, perto do distrito de Santa Terezinha. Depois, minha família foi morar no Distrito do Marinho.
Quando começou o seu interesse por futebol ?
LULA: Eu ainda era criança. Nós jogávamos com uma bolinha de borracha, como estas que ainda hoje existem. Fui crescendo e gostando do esporte. Quando tinha 21 anos, entrei para o meu primeiro clube, o “21 Futebol Clube”, de uma fazenda na estrada do Marinho, chamada “Monteiro”, de propriedade do Sr. João Monteiro, que organizou o time. Isto foi em 1928.
Por que o clube tinha esta denominação ?
LULA: Não sei. Ele apenas dizia que gostava deste número (risos)...
Nesta época, o senhor já jogava como goleiro ?
LULA: Já. Desde criança tinha vontade de jogar no gol. Quando comecei a treinar futebol, fui para a posição. Deu certo porque eu gostei e eles (os outros jogadores) também.
Como era o futebol em Campina Grande ?
LULA: O Treze havia sido fundado em 1925. Em maio do ano seguinte, foi fundado o Ipiranga. Existiam ainda outros, como o Palestra, o Comercial... Cheguei em Campina Grande em 1928. Tive, então, a oportunidade de acompanhar o Treze e o Ipiranga, praticamente nos primeiros anos de vida.
Como eram aqueles dois clubes, naquela época ?
LULA: O Treze era formado por pessoas que trabalhavam no comércio: empregados ou proprietários de estabelecimento, além de funcionários públicos. Por exemplo, o beque “seu” Lima era empregado da empresa de Tito Sodré; o outro, Zé Eloy, era ourives. Zé Castro negociava com couro. Zacarias “Cotó”, que tinha este apelido por ser baixinho, trabalhava numa farmácia... Era considerado o time da elite. Já o Ipiranga era composto por pessoas mais simples, a maioria mecânicos e agricultores, sendo chamado de “o time dos negros”, isto durante anos, pois era composto praticamente por pessoas desta cor. Quando cheguei ao Ipiranga, três anos depois, o mais alvo era eu (risos)...
E os jogos entre estes dois times ?
LULA: Dia de jogo entre Treze e Ipiranga, o campo ficava lotado. Havia uma rivalidade entre os dois e a torcida trezeana não admitia que o seu time perdesse. Então, quando era jogo contra o Ipiranga o presidente Antonio Miguel, que era rico, mandava buscar na sexta-feira, três jogadores de Natal (RN): Poty, Rodolfo e Glicério, que sempre ficavam hospedados na casa do diretor alvinegro. Somente uma única vez o Ipiranga, até 1929, conseguiu vencer o Treze. No restante dos jogos, ou empatou ou foi derrotado.
O senhor jogou contra o Treze alguma vez ?
LULA: Não. O Treze acabou seu time em 1929, somente voltando em 1937. Mesmo nesta segunda fase, não tive oportunidade de enfrentá-lo.
E por que o alvinegro acabou ? Teria sido por causa da Revolução, como dizem algumas pessoas ?
LULA: Não ! O Treze acabou o time ainda em 1929, por um entendimento entre eles (jogadores e diretores). Neste mesmo ano, se acabariam também o Palestra e o Comercial. Já a Revolução ocorreu em (outubro de ) 1930, por motivos políticos e não alterou em nada o futebol de Campina. Os jogos continuaram acontecendo normalmente.
O senhor foi goleiro do Ipiranga Futebol Clube durante quase sete anos. Como se deu a sua ida para aquele clube ?
LULA: Em 1930, eu me associei ao Ipiranga. Mas eu tinha ocupações na agricultura e só comecei a jogar em 1931. As cores do uniforme eram encarnado (sic) e branco. Nós jogávamos muito, tanto aqui, contra os clubes locais, como em João Pessoa.
Então, vamos por etapas. Quais os clubes que existiam aqui em Campina Grande, quando o senhor começou a atuar no Ipiranga ?
LULA: Cinco: o Ipiranga, o Paulistano, o CAC (Centro Atlético Campinense), o Sete e um time do Monte Santo (não lembro o nome deste). Os quatro primeiros disputavam o Campeonato da Cidade. O CAC era formado pelos jogadores do Treze em 1929. Já o Sete era o time do Curtume dos Motta, também muito bom. Recordo que as partidas eram realizadas em dois campos: o Comercial e o Palestra. Na Prata, onde hoje é o templo da “Assembléia de Deus”, ficava o campo do Palestra, que era cercado de folhas de zinco. Já o do Comercial ficava próximo à SANBRA, sendo este murado. Todos eram de areia, marcados, não existindo grama. Não havia, também, redes nas traves. Somente depois que eu deixei de jogar começaram a colocá-las. Já o juiz não usava roupa especial. Era a paisana mesmo: de paletó, gravata e chapéu !
Os jogos contra clubes da capital eram realizados também em João Pessoa ?
LULA: Sim. Saíamos no sábado pela manhã, de Campina Grande até Itabaiana. Depois, pegávamos outra linha para João Pessoa. Chegávamos à tarde, indo para o hotel. O jogo era no domingo.
Quais os times de João Pessoa que o senhor enfrentou ?
LULA: Palmeiras, Pytaguares, Vasco da Gama, Cabo Branco, América... Aliás, nos times de João Pessoa nós dávamos de “macaca” (risos)... Fomos vitoriosos em todas as partidas, exceto duas: uma vez contra o América, quando perdemos, e contra um time de Bayeux, com quem empatamos em 2 x 2.
Qual o time mais forte de todos que o senhor já enfrentou ?
LULA: O Palmeiras de João Pessoa, quando vencemos por 1 x 0. Outro grande clube foi o América, também da capital. Este jogo nós perdemos, sendo o gol marcado pelo filho do Ministro José Américo, o José Américo Filho, que praticamente era o dono da equipe. Depois, ele faria parte de um outro time: o Botafogo, que ainda hoje existe.
Sobre esta fotografia do Ipiranga, ela foi tirada em que ano ?
LULA: Em 1932, no campo do Comercial. Ao lado dos atletas, estão os diretores do clube. Entre eles está Mestre Inácio, que era praticamente o dono do time. Ele tinha uma oficina mecânica e, para quem era seu funcionário, ele arranjava uma vaga para jogar no Ipiranga. Quando alguém lhe procurava pedindo emprego no seu estabelecimento, sempre dizia: “Emprego eu não tenho. Mas existe bastante trabalho e uma vaga prá jogar no Ipiranga...” (Nota: no entendimento do pessoal da época, “emprego” normalmente significava trabalhar pouco e receber salário...)
E este garotinho que está sentado à sua frente ?
LULA: Ele estava no campo no dia do jogo. Na hora da foto, aproximou-se de mim e acabou saindo na fotografia. Não estava nada planejado. Muitos anos depois, tive notícias dele, através de uma pessoa que me contou que o encontrara em um barzinho na praia, em João Pessoa. Mas, eu nunca soube o seu nome. Ainda no retrato, ao meu lado, está Mira, o meu full-back, que morreu há poucos anos.
Quando o senhor parou de jogar futebol ?
LULA: Em 1938. Eu casara em 1935 e já era pai de três filhos. Então, eu pensei seriamente e resolvi abandonar a carreira de atleta. O time era pobre, não tinha uma “caixa de remédios” ( uma pequena “farmácia”) para os atletas, como existia no Treze, por exemplo. Se eu me machucasse sério e perdesse o trabalho, ficaria difícil para minha família. Então resolvi abandonar o esporte. Ainda acompanhei futebol durante muitos anos, mas a partir daí somente como torcedor.
*Agradecemos mais uma vez ao professor Mário por mais este grande registro histórico.
Olá, meu nome é Renato Luis, sou gaúcho torcedor do Inter, estou atrás das cores de alguns times de futebol do brasil, incluindo da Paraíba! Achei excelente esta entrevista resgatando um trecho da mais pura e límpida história do futebol paraíbano, parabéns por essa maravilhosa entrevista!Quissá fossem feitas inúmeras entrevistas como essa e o nosso futebol brasileiro com certeza teria menos lacunas históricas. Por acaso vocês não saberiam me dizer qual as cores dos seguintes clubes de futebol da paraíba:
vices campeonato paraibano:
São Paulo (1920);
Internacional SC (1931);
Pytaguares (1932);
Sol Levante (1936);
Delaport (1944);
União(1946).
Desde já agradeço ao sr. Adriano Araújo e ao sr. Emmanuel Sousa e desejo vida longa ao blog de vocês .Parabéns pela iniciativa!!!!