O menino era franzino. Tinha olhos castanhos e cabelo preto. O pai era um homem simples, trabalhava numa cerâmica produzindo tijolos e nas folgas tocava nas feiras com a mulher Flora Mourão.
O pequeno Zezinho acompanhava os pais, e logo cedo aprendeu a tocar ganzá, zabumba e pandeiro. Quando seu José faleceu, dona Flora abandonou a carreira artística e mudou de cidade.
Foi assim que aos treze anos o menino deixou sua terra natal – Alagoa Grande – para tentar a vida na também grandiosa Campina, estabelecendo-se em um casabre nos “Currais”, próximo ao Riacho das Piabas. Recém chegado, passou a engraxar sapatos para ganhar a vida. Mas engraxava cantando coco!
Sonhava em comprar uma sanfona, mas o dinheiro que ganhava nas ruas não dava para ter esse luxo. Então fabricava os próprios instrumentos a base de bambu. A carência fez com que o jovem optasse pelo pandeiro, instrumento bem mais em conta.
Anos mais tarde confessou para a Revista do Rádio (Ed. 694: 1963):
“Querem saber de uma tristeza que carrego comigo? Quando pequeno minha mãe tinha uma vontade enorme que eu aprendesse a tocar sanfona. Mas não tínhamos dinheiro para comprar o instrumento... Custava duzentos mil réis. Não aprendi. A maior saudade de minha vida é a de minha mãe. Mulher boa era aquela”
Nessa mesma época, brincando com os colegas de profissão, costumava imitar os gestos dos caubóis de cinema; e não escondia a sua predileção pelo ator Jacques Perrier, de onde lhe veio o apelido de “Jack”.
Largando aquele ofício, foi trabalhar como ajudante de padeiro, inicialmente na Panificadora São Joaquim. E depois passando por três padarias: N. S. das Neves, a de seu Agenor, e de seu Mané Leitão. O pão tinha uma pitada de música, porque o jovem preparava a massa cantando; enquanto que a bolacha era cortada ao som do ritmo. Os patrões chegavam a reclamar, dizendo que o garoto só levava jeito pra música. Na entrega do pão, aventurava-se pelos bairros da Bela Vista, Prata e Alto Branco.
Conta-se que certa feita, nas proximidades do Colégio Alfredo Dantas, Zé Jack cruza com uma mulata de fechar quarteirão. Admirado, acaba trombando com um poste. Deixando cair o cesto de pães, improvisou: “Desculpa seu poste!”. A molecada que a tudo assistia caiu na risada.
Pra completar a renda familiar, tocava pandeiro nos clubes noturnos e forrós campinenses (Forró de Zé Lagoa, Corréa e Zefa Tiburtino), ficando mais conhecido como “Jackson do Pandeiro”. A experiência adquirida na mandchúria campinense também contribuiu para os trejeitos do músico, que tinha uma maneira especial de se apresentar. A composição “Forró de Campina”, conta um pouco dessa história:
“Cantando meu forró vem à lembrança
O meu tempo de criança que me faz chorar.
Ó linda flor, linda morena
Campina Grande, minha Borborema.
Me lembro de Maria Pororoca
De Josefa Triburtino, e de Carminha Vilar.
Bodocongó, Alto Branco e Zé Pinheiro
Aprendi tocar pandeiro nos forrós de lá”
Na rua Maciel Pinheiro – considerada a feira grande – o cego Chico Bernardo que vendia cordéis dava por conta de sua chegada, tão logo o menino pegava o reco-reco e puxava uma levada.
Mas não só de trabalho e música vivia Jackson. Também jogou bola em Campina e foi expert na sinuca!
O futebol veio através do goleiro Harry Carey que o levou para conhecer os campos do Treze Futebol Clube. Jackson tinha duas vantagens - muito embora a sua altura não ajudasse muito naquele esporte amador, apenas 1,60 metro – “pulava que só uma guariba” e possuía a ginga necessária para segurar a bola na hora do pênalti. Até que chegou o dia que Harry começou a se preocupar com o amigo, pois as suas mãos eram preciosas demais para correrem aquele risco.
A paixão pelo futebol acompanhou o artista em sua carreira e, quando chegou ao Rio, declarou para a Revista do Rádio: “Sou furado nas ventas e os pneus arriados pelo Flamengo. Atualmente não pratico esportes, mas já joguei futebol. Fui bom goleiro em Campina Grande” (Revista do Rádio, Ed. 858: 1966).
A sinuca aprendera com a molecada, assim como o vício do cigarro, ressaltando ainda mais o seu jeito malandro de ser.
Aos 17 anos substituiu o baterista que animava os bailes do Ypiranga Club, e acabou sendo efetivado como ritmista. Mas a grande oportunidade surgiu quando a Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, partiu para o Rio e ele foi chamado para integrar uma banda naquela emissora. Todavia, não durou muito e logo foi trabalhar na Rádio Jornal do Comércio de Recife.
O sucesso nacional veio em ’53, quando firmou parceria com Rosil Cavalcante e gravou o forró “Sebastiana”, e teve seu auge reafirmado nas canções “Forró de Limoneiro” e “1 x 1”, de Edgard Ferreira.
Faleceu José Gomes Filho em 10 de julho de 1982, aos 63 anos de idade.
Jackson na antiga profissão de padeiro |
Referência:
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ª Ed. Art Editora: 1998.
- MOURA, Fernando. VICENTE, Antônio. Jackson do Pandeiro: o rei do ritmo. 1ª edição. Editora 34: 2001.
- RÁDIO, Revista do. Edições N° 694/63; 729/1963 e 826/1965.
- SOUZA, Luiz Gonzaga de. Economia, Política e Sociedade. Eumed: 2006.
Excelente artigo!Emocionante saber que o talento desse gênio do ritmo foi forjado nas ruas, e bares, e cabarés de Campina Grande! Inigualável Jackson do Pandeiro!
Excelente postagem. Data Venia, uma pequena observação: o nome correto do cowboy do cinema é Jack Perrin (1896-1967); o forró é Coréia e não Correia como está grafado; o nome "Jackson" só surgiu na Rádio Jornal do Commercio em Recife.
No mais, Viva Jacson do Pandeiro !
Êpa, faltou o "K" de Jackson.
Excelente postagem. Parabéns Rau Ferreira!
Merecida homenagem!
Pura genialidade,tanto na batida inovadora quanto na execução.É sabido que todos movimentos musicais populares sofreram influência de seu ritmo sincopado.
Braulio José Tavares