Serviço de Utilidade Pública - Lei Municipal nº 5096/2011 de 24 de Novembro de 2011
Criado por Adriano Araújo e Emmanuel Sousa
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QUAL ASSUNTO VOCÊ ESTÁ PROCURANDO?

Por Mário Carneiro da Costa *

                O prédio onde funcionava a Escola Politécnica, na época em que ali estudara o autor, situava-se no centro urbano de Campina Grande. Era um prédio de construção sólida e linhas arquitetônicas requintadas, edificado em 1924 pelo então governador do Estado, Dr. Solon de Lucena, com o propósito de ali instalar-se um grupo escolar.

                A construção tem forma de “u” maiúsculo, com a base voltada para a Rua Floriano Peixoto. É composta por oito salas nas laterais, um hall após a área de entrada onde se acham duas das salas, e alpendre contornando a área livre central. As duas salas de frente eram ocupadas pela secretaria e gabinete do diretor.  Das restantes, uma se destinava à biblioteca e as demais às salas de aula.

               Dada a localização do prédio, a Escola adquiriu a condição de permanecer, diuturnamente, com as portas abertas e com o fato curioso de que sempre ali era encontrado um aluno estudando sozinho ou com um ou dois colegas. Dada a forma arquitetônica e localização, era ali que os alunos se encontravam para baterem papo na área externa de acesso, ou mesmo na parte interna e, em dias feriados ou altas madrugadas, tirarem um bom cochilo, deitados nos bancos existentes nos alpendres. 

               Curioso é que em qualquer destas circunstâncias, o colega recebia o respeito dos demais, mesmo daqueles bagunceiros, a exemplo do “Salomão Bascuio”, posteriormente Dr. Salomão Anselmo, internacionalmente conhecido na área de saneamento. Figuras espirituosas e irreverentes, como Zé Pereira, Fernando Uchoa, Costa Filho, Adauto Medeiros e outras respeitavam o colega estudando. 

               A Escola era o local também para as anedotas, para os acertos de farras e, porque não dizer, de curtir ressacas também. As brincadeiras eram na maioria sadias, não se registrando agressões ou ocorrências que denegrissem a imagem do colega.  

         Um coronel com idade no entorno de 50 anos, chegou para comandar um batalhão do Exército da arma de engenharia, aquartelado em Campina Grande. Embora com alguns fios de cabelos brancos, buscou informação de como estudar engenharia civil e submeteu-se ao vestibular, juntamente com outros oficiais, do que resultaram algumas aprovações, entre as quais a dele, de um major seu subcomandante, e uns poucos outros oficiais. 

           Tivera início o ano letivo e as aulas de algumas cadeiras foram programadas de forma tal que aqueles alunos pudessem assisti-las. De uma boa quantidade de cadeiras estavam dispensados, pois foram cursadas na Escola Militar. O comandante, simpático e bonachão, e também os seus comandados, logo se ajustaram aos colegas civis e viviam num clima de harmonia e amizade, participando dos gracejos, anedotas e gozações levadas a efeito por aqueles mais jocosos, onde se destacavam os já citados acima e outros mais. O coronel, esquecendo-se do posto, misturava-se no contexto dos colegas sem farda. 

                No centro de Campina Grande, ocupando dois andares superiores de um prédio de três pavimentos, funcionava uma “casa noturna”, freqüentada pela classe média alta da cidade e era conhecida por “Cabaré de Baiana”. Ali eram apresentados bailarinos ou bailarinas, rumbeiras, transformistas e outros artistas do gênero. A casa era cheia e Baiana impunha a mais rigorosa ordem. 

                 Numa certa madrugada de domingo do ano de 1958, a turma concluinte, num total de oito alunos, aproximava-se da casa de Baiana, quando deu com um dócil cavalo arrastando uma corda. Logo veio a idéia de apresentar o animal no salão do cabaré e as providências para tanto foram tomadas: uma parte puxava o bucéfalo pela corda escada acima e a outra o empurrava.

          A resistência do animal fora enorme e não subia de forma alguma. Um dos estudantes fumava charuto e teve a iniciativa de levantar a cauda do cavalo e tocar com a brasa naquela parte. Resultou um enorme salto para cima e, com tal expediente, chegaram ao topo da escadaria e deram entrada no salão daquela casa noturna.

         Baiana ficou possessa e logo chegou a polícia, que levou todos presos. Um dos integrantes do grupo era oficial do CPOR e, na delegacia, ficou de fora. Veio-lhe o pensamento de chamar o major para intervir no caso e assim procedeu. Decorrido certo tempo sem que o grupo fosse liberado, entendeu que o subcomandante também ficara preso e resolveu chamar o coronel, a quem narrou o fato. Este, atordoado, sequer trocou de roupa e, no se próprio veículo foi a delegacia, lá chegando no instante em que todos estavam sendo liberados. O fato tornou-se jocoso para o coronel e o delegado, que nenhum registro fez do ocorrido, que também não foi explorado nas notícias policiais.       
                   
               Por aqueles anos, chegaram para fazer vestibular dois jovens de fina educação e gestos sinuosos. Mesmo com aquele hábito de não denegrir a imagem de qualquer colega, os colegas mais espirituosos não demoraram em apelidá-los de Piedosa e Melindrosa. Foram aprovados, estudaram alguns anos e ficaram para os colegas de outrora com os nomes que receberam na Escola e que perduram até hoje. 

            O sábado era um dia de muitas aulas, após o que os alunos ficavam rotineiramente brincando no mais salutar bate-papo. O professor de eletrotécnica, a título de aula prática, construíra um pequeno e portátil rádio transmissor, que depois ficara em poder da turma. Os seus integrantes, através dele, fizeram toda espécie de brincadeira, inclusive a de entrar clandestinamente na freqüência de determinada emissora local e, depois de dado o prefixo, informar que “Por motivo superior, hoje não vai ao ar o capítulo da rádio-novela Maria La-ô”, que alcançava incrível audiência para os padrões locais.    

           O coroamento de tais brincadeiras, porém, aconteceu noutra oportunidade. Na Escola estudavam dois irmãos cearenses, que não eram os únicos na condição de irmãos. A comunicação usada por eles para Fortaleza era feita através da Rádio Meridional. Certo dia, por volta das 16 horas, o telefone toca e alguém procura saber se Aquino (o “Cara D’Alma”) e seu irmão estão na Escola. Respondido afirmativamente, foi dito que era uma comunicação da capital cearense através da Meridional, e que, por favor, chamassem o Aquino, o que foi providenciado de imediato. 

                 “É o serviço da Meridional” disse a voz ao telefone. “Aqui é Aquino, pode falar”. E a voz continuou: “Venha urgente. Papai inventou de ser veado” (naquele tempo, o “bicha” de hoje, era chamado “veado”). “Como?” – indagou Aquino. “Como eu não sei, mas é um escândalo!”, concluiu a voz pelo telefone.  E a comunicação pifou. Os dois irmãos estavam comprando as passagens no Lóide Aéreo para logo mais viajarem, quando chegaram àquela agência os responsáveis pelo trote. Dr. Morais, o diretor, ao tomar conhecimento das brincadeiras, recolheu o rádio ao laboratório da Escola.

                 Não seria justo concluir esses relatos sem fazer registro aos abnegados mestres, Antônio da Silva Morais, Giuseppe Gióia, Austro de França Costa, Max Hans Karl Liebig, José Marques de Almeida Júnior,  Edvaldo do Ó e Josemir de Castro, que coesos no objetivo comum tornariam realidade aquilo que parecia  impossível  aos olhos de muitos.

                  É mister observar que, para a concretização daquele ideal, não havia qualquer disponibilidade financeira e os gastos eram cobertos com recursos obtidos entre os componentes do grupo, resultando para alguns deles  dificuldades econômicas. Mesmo assim, o empenho do tenaz conjunto idealizador resultou que a Escola Politécnica já iniciasse o funcionamento com uma boa estrutura. Assim, a instituição contava com salas providas de boas cadeiras para os alunos, anfiteatro, laboratório de química e de física. Dispunha, também, de modelos de certos motores e máquinas, projetores, instrumentos topográficos, pantógrafo, pranchetas, sofisticado tecnígrafo, rico e importante mostruário de pedras (indispensável na cadeira de geologia econômica) e uma biblioteca com mais de dois mil e quinhentos títulos técnicos à disposição de alunos e professores.

               Dado a escassez de livros em nosso idioma, estes eram encontrados predominantemente em espanhol, francês e inglês, o que se constituía certa dificuldade do aluno de então. O ensino era absolutamente gratuito, assim como era todo o material, tal como papel para provas, lápis de grafite com durezas diferentes para desenho, borrachas apropriadas, tinta para desenho, normógrafos que, quando solicitados, eram fornecidos na secretaria. Tudo era utilizado, conscientemente, pelo aluno, que o devolvia após o seu uso.   

               Inúmeras foram as viagens do Dr. Antônio Morais ao Rio de Janeiro, à época Capital da República, e, ali permanecer dias após dias, palmilhando Departamentos e Secretarias,  na busca de tornar aquele ideal em algo concreto e, em anos futuros,  realizar o sonho de  muitos jovens, entre os quais  figurava este autor.

               Assim nasceu a Escola Politécnica da Paraíba, hoje, Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal de Campina Grande. Escola cujo conceito envaidece hoje os velhos engenheiros que nela se graduaram.



*Capítulo do livro: “Trajetória de um sonho – Passos do sonhador”, de Mário Carneiro da Costa, engenheiro civil da turma de 1960.

 

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