Findava o ano de 1936 e
Campina crescia, seguindo a sua vocação de ser Grande. Por esse tempo, já
possuía 15 indústrias, estabelecimentos bancários e cinemas que lhe dava ares
de capital metropolitana dos sertões.
No último dia daquele ano
(31/12), resolvera o Sr. João Marques de Almeida realizar uma cantoria em sua
residência, convidando para tal desiderato os trovadores Agostinho Lopes dos
Santos (1906/1972) e Josué Alves da Cruz (1904/1968). João foi co-fundador, juntamente
com seu irmão Dionísio, da fabrica de sabão “A Pernambucana”(1925), localizada
no largo das boninas.
Muitas pessoas acorreram ao
seu palacete, ansiosos por ouvirem os dois rapsodos populares, que se
empenhavam na justa e eram aplaudidos com seus magníficos versos de repente. A
sociedade campinense se fizera presente, não apenas pela distinção do anfitrião
João Marques, como era de praxis naqueles dias áureos, se ouvir o torneio dos
cantadores, hábeis em versejar e inspirados na poesia.
Na ocasião, se faziam
presentes o ex-prefeito Ernane Lauritzen (1924-1928) e o renomado poeta Mauro
Luna (1897/1943), este autor de “Horas de Enlevo” (1924) quando, a certa altura
da cantoria, Ernane pediu que Mauro fizesse um mote para que os dois
repentistas glosassem.
Todos sabem da importância do
mote para o repente, ele é quem dá o tema a ser desenvolvido pelos cantadores
perante a plateia. Mauro querendo elevar as qualidades de sua terra natal fez
com que os menestreis rimassem em torno do dístico: “A Paraíba do norte/ É o coração do Brasil”.
Não é demais falar que o país
saía de uma “revolução”, cujo espoenta maior era a Paraíba e que eclodiu com a
morte do governador João Pessoa Cavalcanti, ascendendo Getúlio Vargas a
presidência naquele momento de efervecência política.
Ciosos de sua
responsabilidade, Josué (J) e Agostinho (A) iniciaram a cantoria que foi
registrada pelo folclorista Francisco Coutinho Filho (1891/1976), cujos versos
transcrevo a seguir:
J. – Não é pegando o ensejo
De desacatos nem guerra...
De gloriar minha terra
É o meu sumo desejo!
Procuro porém não vejo
Outra, formosa e gentil
Que lhe convide sutil
Para igualar o seu porte!...
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
A. –
Sou de Pernambuco, o forte...
Mas,
neste verso eu escrevo
Pelos
favores que devo
À Paraíba do Norte!
Estado
de boa sorte,
Terra
das quadras de Abril!...
Um
homem, mesmo imbecil,
Mas
tendo regra de fé,
Diz
e jura que ela é:
O coração do Brasil!
J.
– Junto ao Leão coroado (1)
Banha-lhe
o rico Oceano,
Belo
espelho soberano
Em
que ela se tem olhado!...
Paraíba
nos tem dado
Eminências,
mais de mil...
Se
não é para o fuzil,
É
adevogado forte...
A Paraíba do Norte
É o coração do Brasil!
A.
– Dá a vida pela morte,
Enfrenta
qualquer coluna,
(Assim
disse Mauro Luna)
A Paraíba do Norte!
Negar,
não há quem suporte,
O
seu poder varonil!
No
ferrolho do fuzil
Tem
defendido o país,
Por
isto o poeta diz:
É o coração do Brasil!
J.
– Dela, os seus cavaleiros,
São
como os pares de França!
Basta
que eu traga à lembrança
André
Vidal de Negreiros!
Como
chefe de guerreiros,
Foi
temeroso adaíl...
Como
perfeito guazil,
Era audacioso e forte!...
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
A. – Seu valor inesgotável...
Há poucos anos passados, (2)
Para remir os flagelados,
Foi ela a mais favorável!
Tornou-se a mais agradável
Debaixo dum céu de anil...
Lutava o pobre, sutil,
Exaltando a sua sorte:
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
J. – Tem ela infinda saudade...
Tombou, ficou quasiatôa,
Quando perdeu João Pessoa,
O tipo da lealdade!
Por ele a humanidade
Vingou o inimigo hostil...
Pela boca do fuzil
Mostrou bravura, foi forte! (3)
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
A. – A Paraíba perdeu
Seu querido Interventor!
O bravo e grande Antenor (4)
Tragicamente morreu!
Seu berço ele defendeu
Vencendo perigos mil!
Naquela hora febril,
Dissera antes da morte:
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
J. – Bananeiras já chorou
Igualmente à Madalena,
Pelo Solon de Lucena, (5)
O filho que a levantou!...
E quem foi que melhorou
Serraria quando hastil?...
Nesse estado pueril,
Lima (6) deu-lhe fama e sorte!
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
A. – Num estado cadavérico
A Paraíba chorou...
Pra defende-la chegou
O doutor José Américo! (7)
Por seu instinto genérico,
Com um poder varonil,
Aquele gênio febril
Melhorou tudo de sorte!
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
J. – Areia, ninguém deprima!
No cimo da cordilheira
Onde plantou-se a limeira
E nunca mais faltará lima! (8)
A haste de mais estima
Tombou ao solo fértil!
Não era, o Cunha, (9) servil!
Disse ele, às portas da morte:
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
A. – Josué, com segurança
Encerrarei minha glosa...
Com a canção maviosa
Vou fazer esta aliança...
No salão fica a lembrança
Da nossa rima subtil!...
Só a pedra do esmeril
Ao meu ferro dará corte!...
A
Paraíba do Norte
É
o coração do Brasil!
Assim concluiram os poetas
matutos o seu intento, versejando sobre o mote dado, a relevância do nosso
Estado, e seu passasdo vestuto que todos os convivas assistiram.
Rau Ferreira
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Notas: (1) O Estado de Pernambuco. (2) A seca de 1931/1932. (3) A
Revolução de 1930. (4) Interventor Federal no Estado de 1930 à 1932. (5)
Governador do Estado de 1920 à 1924. (6) Francisco Duarte Lima, Senador pela
Paraíba (1936/1937) e Procurador do Estado de Pernambuco (1938), natural de
Serraria (PB). (7) Autor de “A Bagaceira”, no período em que este foi Ministro
da Viação. (8) Refere-se à família “Cunha Lima” de Areia. (9) Chefe de polícia
da Paraíba, foi também Deputado Estadual e Federal.
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Referências:
- BASTOS, Sevastião de Azevedo. No roteiro dos Azevêdo e outras famílias do Nordeste. EditoraGráfica
Comercial. João Pessoa/PB: 1954.
- FILHO, F. Coutinho. Repentistas e Glosadores. A. Sartorio & Bertoli. São
Paulo/SP: 1937.
- MOTA, Leonardo. Cantadores:
poesia e linguagem do sertão cearense. Livraria Castilho. Rio de
Janeiro/RJ: 1921.
É de grande relevância o resgate desses grandes ícones de repentistas.
Em qual rua era o palacete?
Meu avô se chamava Major João Marques de Oliveira,morador e funddador de Machados Pe, sendo seu primeiro Prefeito,