Ernani Lauritzen |
Ainda vive na memória a lembrança dos grandes cantadores que percorreram a feira de Campina Grande distribuindo alegria com seus repentes, emboladas e desafios: Zé Limeira, João Benedito, Bernardo Cintura, Otacílio Batista, Toinho e Dedé da Mulatinha... o folclore popular tem eleito como os melhores desta literatura que costumamos chamar de “Cordel”.
Ernani Lauritzen (1886/1955) possuía uma pequena fábrica de gelo na Travessa Lindolpho Montenegro e escrevia para o Correio de Campina (jornal fundado pelo irmão Cristiano em 1911) quando a vida lhe chamou para a política, ingressando nas fileiras do Partido Republicano do governo epitacista.
Com a morte do pai assume o governo de Campina (1924-1928). Eleito João Pessoa afasta Ernani da interventoria por não seguir à risca a sua política. Tempos depois, o filho do “Gringo” é nomeado Coletor cargo que exerce até a sua morte ocorrida em 01 de janeiro de 1955.
Admirador do repente, já estava na coletoria quando em 13 de janeiro de 1936, observando a regra da compra de cavalos na feira, foi pedir aos cantadores Josué da Cruz e Agostinho Lopes dos Santos duas glosas para o mote: - Um é bom, dois é melhor;/Três é ruim, quatro é pior.
A peleja se iniciou com Agostinho, com os seguintes versos:
- Sem recursos geniais,
Tenho mesmo de falar!
Seu Ernani, eu vou glosar
Sobre esses quatro sinais.
Meus dons espirituais
Eu apresento ao major...
Um é bom, dois é melhor,
Diz o trocado na feira,
E, citando a regra inteira:
Três é ruim, quatro é pior!
Ao passo que Josué, cantador de pele adusta que por um tempo residiu em Esperança, versejou:
- Meu colega, companheiro,
Repara bem, mira e mede,
Que tudo isto só se sucede
Ao sujeito que é troveiro!
Gloso os sinais do vaqueiro
A pedido do major...
Um é bom, dois é melhor,
Posso afirmar ao senhor
Que assim diz o trocador:
Três é ruim, quatro é pior!
Com efeito -, explicava Ernani Lauritzen – que o sertanejo antes de adquirir algum animal de montaria, observava-lhe os sinais dando preferência aos que tivessem um ou dois; os de três possuíam qualidades duvidosas, apresentando-se como um mau negócio, enquanto que os de quatro sinais ficavam para “refugo” vaticinando a “dita matuta”: Quatro é pior!
Campina por ser o grande empório do Sertão atraia para si estes representantes da nossa cultura desde tempos imemoriais. As suas praças foram palcos de muitas cantorias e ainda ecoa os aplausos de uma platéia ávida por escutar a sabedoria popular em versos.
Temos notícias de que Ernani Lauritzen assumiu uma cadeira na Assembléia Estadual e participou da Maçonaria como um dos fundadores da Loja “Regeneração Campinense” (1923). Torcedor do “Treze F. C.”, dirigiu o jornalzinho (Treze) que noticiava a glória de seu clube.
Rau Ferreira*
Poeta e escritor
Referências:
- ACL, Academia Campinense de Letras. Mais um mergulho na história campinense. Edições Caravela. Campina Grande/PB: 2001.
- ARAÚJO, Fátima. Paraíba, imprensa e vida: jornalismo impresso 1826 a 1986. 2ª Ed. Editora e Jornal da Paraíba. Grafset. João Pessoa/PB: 1986.
- CÂMARA, Epaminondas. Datas Campinenses. Departamento de Publicidade. João Pessoa/PB: 1947.
- ELISIÁRIO, Aílton. História Maçônica de Campina Grande. Campina Grande: s/e, 2006.
- FILHO, Coutinho F. Violas e repentes: repentes populares, em prosa e verso; pesquisas folclóricas no Nordeste brasileiro. Recife/PE: 1953.
- FILHO, Lino Gomes da Silva. Síntese histórica de Campina Grande, 1670-1963. Editora Grafset: 2005.
- GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque. A palavra impressa: uma história dos jornais, revistas e outros suportes impressos de Campina Grande (1913-1953). Anais Eletrônicos do XVI Encontro Nacional de História. ANPUH/PB. ISSN: 2359-2796. 25/29 de Agosto. Campina Grande/PB: 2014.
- MOTA, Leonardo. Violeiros do Norte. 5ª Ed. Livraria Editora Cátedra: 1982.
- PARAHYBA, Almanach do Estado (da). Volume XVI. Imprensa Oficial. João Pessoa/PB: 1933.
- XAVIER, Maria do Socorro Cardoso. Tesouro redescoberto: a riqueza do folheto em verso. Editora Universitária: 2002.
Lembro-me, quando criança, de ver os repentistas na feira central de Campina. Os dois improvisavam cercados por um monte homens que aplaudiam entusiasticamente, a pleno sol da manhã de verão...Havia também cegos que cantavam cordel tambem rodeados de ouvintes! Era a cultura popular mesmo...