Há 82 anos piloto paraibano fazia voo histórico entre Campina Grande e o Rio de Janeiro (por Hilton Gouvêa)
Recebemos a indicação do texto abaixo de André Luís Simões Andrade que, em pesquisa sobre o tema 'aviação', encontrou a curiosa história de Severino Nogueira, paraibano de Juazeirinho que, no ano de 1933, realizou a façanha de decolar seu teco-teco de Campina Grande, até o Rio de Janeiro.
Segue transcrição da matéria postada no Blog Iedo Ferreira, de autoria de Hilton Gouveia:
Segundo Geraldo Vital, um dos biógrafos do piloto, Nogueira empreendeu esta odisséia aérea com uma namorada. Já no Rio, procurou fazer seu curso de piloto e apelou para a interferência de um conterrâneo famoso, o Doutor José Américo de Almeida, na época Ministro da Viação. Este apresentou Severino ao então Comandante da Escola de Pilotos Militares da FAB – Força Aérea Brasileira -, o Major da Aeronáutica Henrique Fontinelli, a quem solicitou que seu candidato frequentasse a escola, naqueles tempos já funcionando com excelente referência no Brasil e na América do Sul.
No biênio 1933/35, Severino seguiu com destino a São Paulo, para cumprir o estágio de final do curso. Assim, se tornou o primeiro paraibano a adquirir o brevet de Piloto Civil, carimbado com o número 94. Isto equivalia a receber uma carta de piloto de aeronaves de recreio e desporto. Severino voltou satisfeito para Campina Grande, mas ainda com um estratégico problema a resolver: piloto sem aeronave não dava sentido à concretização de seu sonho. Insistente, ele passou a se corresponder com vendedores norte-americanos de aeronaves. E acabou fechando negócio, efetuando a compra de uma avioneta por US$ 1.850,00 equivalentes, na época, a trinta e quatro contos de réis – ou, a dinheiro de hoje, aproximadamente R$ 15 mil. A encomenda foi enviada para Recife e ele mesmo fez a montagem do avião, na praia de Boa Viagem.
Esclareça-se que o pai de Severino, o empresário José Felismino Nogueira, na época era farmacêutico, e proprietário de uma Usina de Beneficiamento de Algodão e exportação para Campina Grande-Pb. Também possuía o prestígio genealógico e histórico de ser um dos fundadores de Juazeirinho, um homem que, sem sombra de dúvida, era economicamente realizado.
Em Boa Viagem, Severino criou o hábito de decolar no aviãozinho Taylor – esta era a marca da aeronave -, e sobrevoar esta parte do litoral pernambucano.Testava os equipamentos e certificava-se da velocidade e da autonomia de vôo do aparelho. Ao sentir- se apto para viagens mais longas, realizou uma decolagem com destino à sua cidade natal, Juazeirinho, onde construiu um pequeno campo de pouso. Depois retornava a João Pessoa, para novos testes.
Numa dessas viagens ao Cariri paraibano, Severino sempre levava um convidado, Boanerges Barreto. Até que um dia, sobrevoando a cidade de Soledade, Severino notou que o combustível estava no fim. O recurso que encontrou, raciocinando o mais rápido possível, foi pousar no meio da rua principal de Soledade, bastante larga para aquele tipo de emergência.
Surgiu outro problema: Onde conseguir o combustível para prosseguir a viagem por mais 40 Km, até Juazeirinho? Quem surgiu como anjo salvador desta situação foi Joca Mota, dono de um caminhão na cidade de Tapero/á que estava ali de passagem. Joca cedeu o combustível e, momentos depois, Severino decolava no rumo de Juazeirinho onde foi festivamente recebido.
O piloto ainda implantou algumas adaptações na aeronave, como o sistema de carburação, o tanque auxiliar de combustível, o sistema de velas, entre outras de natureza mecânica. Isto modificou a originalidade da aeronave. Já com certa experiência acumulada em vários vôos e apoiado na confiança que obtivera com a prática, Severino idealizou uma viagem ao Rio de Janeiro, para tratar de negócios particulares.
Em 25 de dezembro de 1938, Partia de Campina Grande o aviador Severino Nogueira em um avião teco-teco, prefixo Pptck, modelo Taylor, com destino ao Rio. Ele programou escalas em João Pessoa e, no dia 26 – 24 horas após o dia do Natal -, Severino decolou para Recife, onde pousou no campo de Tigipió. Após uma revisão completa no aparelho, estava tudo pronto para decolagem com destino ao Rio. No momento surgiu um impasse: a Polícia Marítima do Recife impediu o vôo, por suspeitar de algum plano político, que tramasse contra a Ditadura de Getúlio Vargas.
O pessoal do Exército, que conhecia o aviador, solucionou a questão com a presença de Doutor Jacy Toscano –Assessor de Getúlio -, junto à Aeronáutica. No dia seguinte, 27 de dezembro, a viagem histórica para o Rio de Janeiro foi reiniciada, com escala em Maceió. Severino e seu Taylor voavam sobre o litoral numa altitude entre um mil e 1.200 metros. Como não tinha pressa de chegar ao destino, ele decolou rumo à capital alagoana, daí em diante pernoitando em Maraú, nos arredores de Salvador (BA).
Após atravessar o Rio São Francisco, houve pane na aeronave, provocada por uma vela que se desprendera do motor. Sorte que a peça ficou enganchada nas engrenagens, enquanto o piloto habilmente pousava à beira-mar. Alí, Severino recolocou a vela, fez os testes de costume e decolou sem problemas. Voava a 100 km por hora, e, com a autonomia reduzida, seguiu para Caravelas (BA), Vitória (ES) e Campos (RJ).
O aviador, que era excelente mecânico, criou um tanque auxiliar com uma lata de gasolina adaptada ao interior da aeronave”, diz Geraldo Vital. “Ligado por uma mangueira ao motor, o tanque auxiliar passava a funcionar através de uma torneira, quando o reservatório principal dava sinais de esvaziamento”. Essa operação era levada a termo em pleno vôo _ Nessa época, nem aviões militares ou de passageiros conseguiam esta proeza. Sem falar que a sua Carta de Navegação de bordo, não passava de um simples Atlas Escolar. Mais: Severino voava com a porta da cabine aberta, para enxergar o solo.
Todos os jornais do Rio de Janeiro abriram manchetes para registrar “o arrojo de um aviador maluco” (assim diziam eles), que pilotava um teco-teco, repleto de arranjos e emendas, que acabava de efetuar um vôo histórico. A imprensa americana também deu destaque ao feito de Severino Nogueira. O Correio da Manhã (RJ) noticiou que o Departamento de Aviação Civil, avistou, por volta de 11 horas do dia, um objeto em direção ao campo,de pouso, que parecia um urubu; “lá vem ele se aproximando”, dizia a platéia, quando o aviãozinho tomou a cabeceira da pista e posou suavemente em direção ao hangar.
Os presentes se indagavam: “quem é esse doido que vem aí dentro”? Do interior da nave desceu um homem moreno, jovem, alegre, seguido de uma mulher morena vestida de preto. O piloto cumprimentou a todos que o aguardavam. O Diretor do DAC perguntou-lhe:
– De onde vem o Senhor?
– Estou chegando da Paraiba.
-Mas, veio voando nisso aí?
-Sim senhor.
-Não é possível. O senhor está brincando. Deve ter vindo de Manguinhos.
– Que nada, senhor. Eu sou da Paraiba e vim de lá. Sou aviador há seis anos, pouso esse bichinho há mais de dois anos e nunca me aconteceu nada.
No Rio, Nogueira, o Aviador, não teve sossego: levaram-no ao Aeroclube do Brasil onde foi muito bem recebido pela Diretoria e os sócios. Cada explicação do piloto virava uma notícia. Severino informou ter gastado 300 litros de gasolina e quatro litros de óleo. Adiantou que fez um trajeto de tempo de 18 horas, levando oito dias para conhecer as cidades do percurso e proporcionar descanso ao motor da aeronave.
Nogueira pretendia voltar à Paraíba na mesma aeronave, mas, foi convencido a não voar antes de uma revisão que lhe custaria muito caro. E, como homem de negócios, vendeu o avião por 154 contos de reis (Moeda circulante na época). Nogueira não imaginava que fossem noticiar a presença da companheira de viagem que, para todos os efeitos se chamaria Julieta Alves Nogueira, com quem mantinha laços amorosos. Este impasse gerou protestos, anos depois, por parte da sua legítima esposa, Maria Barros Nogueira, com desmentidos através de telegramas.
Nogueira passou a residir no Estado da Bahia, onde foi proprietário da Fazenda Barro Alto. Morreu lá, com mais de 70 anos.